Para não brigarmos entre nós mesmos

Luciano Braga
4 min readJan 23, 2022

Das trocentas coisas ruins que aconteceram nesse ano desafiador que foi 2021, teve uma que me bateu forte: ver pessoas que admiro brigando em grupos de WhatsApp.

Eu tenho a sorte de não estar em muitos grupos de Whats (e espero que vocês também, pois não há cérebro que aguente tantas mensagens de diferentes grupos), e me surpreendeu que nos principais deles houve pelo menos uma grande briga entre alguns dos participantes. Não briguinhas do dia a dia, mas sim aquelas de fazer uma galera sair do grupo ou ficar sem se falar por dias. Algumas dessas desavenças foram permanentes (ou seja, até hoje não se resolveram), enquanto outras duraram um tempinho e depois tudo voltou ao “novo normal”.

Sei que para a maioria da minha rede esse é o padrão dos relacionamentos digitais desde que o efeito Bolsonaro nos atingiu um cheio: brigas entre familiares, pessoas que se gostavam parando de se falar, discussões infinitas, essas coisas. E nisso eu também me considero sortudo, porque estou cercado de muitas pessoas incríveis e as eleições não afetaram meu microcosmo de relações.

Mas esse ano as coisas foram diferentes. Vi pessoas que se gostam, que são instruídas, informadas e que estão próximas ou juntas no espectro político, entrarem em desacordo de forma violenta. São pessoas que estão lado a lado nas trincheiras dessa luta diária que é transformar um mundo em um lugar melhor, e mesmo assim não conseguiram se tolerar. Ofenderam-se a ponto de não se falarem mais, de não trabalharem mais juntas, de cortar laços para sempre.

O estopim, claro, foram opiniões divergentes.

Depois de presenciar tudo isso, em algumas delas tentando mediar as conversas, em outras só observando em choque, o que me vinha na cabeça era que se pessoas da mesma bolha e grupo social estavam se tratando como inimigos, como vamos enfrentar os verdadeiros “inimigos” do momento?

Sei que a vida não é um filme da Marvel com os bonzinhos e os vilões numa eterna luta pelos seus objetivos. Ao mesmo tempo, é óbvio que existem problemas na sociedade que devem sim ser enfrentados para que possamos ter um futuro decente: o aquecimento global, a pandemia, a onda fascista, o racismo, a desigualdade social, o energúmeno do presidente, entre outros.

Nossos inimigos não são as pessoas do outro lado do telefone. Sim, tá todo mundo de saco cheio, cansado, estressado, mas se a gente não parar e não conseguir se enxergar (e agir) como grupo, esses inimigos nos levam fácil fácil. Nossos vilões só podem ser enfrentados através da união. É uma frase clichê e também a mais pura verdade.

Não estou pregando por todo mundo se aceitar e dar as mãos cantando em uníssono a música tema do final de ano da Globo. Um mundo capaz de enfrentar os nossos vilões do momento é qual? Um mundo democrático, humanitário, igualitário, tolerante, diverso, empático, comunitário. Quando estamos em falta dessas virtudes, as coisas desandam. Quando não conseguimos conversar entre nós, estamos abrindo espaço para os inimigos.

TERMOS OPINIÕES DIFERENTES FAZ PARTE DA VIDA EM SOCIEDADE. É discordando, dialogando, ouvindo pontos diferentes dos nossos que a gente evolui, cresce. É tolerando outras opiniões que podemos quebrar a polarização e o enfrentamento que tem nos afastado uns dos outros nesses últimos anos.

E está liberado não concordar com outras opiniões. A gente não precisa se submeter a tudo. Pode se irritar com outra opinião, está ok também. Uma coisa é não concordar com algo, outra é NÃO CONSEGUIR CONVERSAR com outra pessoa como você. Estamos no mesmo barco galera. Quem não deve ser tolerado é o aquecimento global, os fascistas, a desigualdade, o racismo, e por aí vai.

Mas o que fazer? Ser irritantemente pacífico. Ser extremamente tolerante. Ser paciente. Ser empático, curioso pela opinião do outro, pelas motivações por trás de cada ideia. Quanto mais conhecemos as intenções por trás de uma opinião, mais fácil é se relacionar com a outra pessoa. Quanto mais conhecemos seu passado, suas vivências, mais fácil entender de onde vem cada ideia. Por fim, temos que nos lembrar constantemente que a pessoa do outro lado do aplicativo, na grandissíssima maioria das vezes, é um(a) de nós.

No livro Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, uma maravilhosa obra que tive o prazer de ler esse ano, encontrei essa fala de Marco Polo para Kublai Khan que achei pertinente para essa news:

“O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”

2021 foi difícil e 2022 tem tudo para ser tudo isso e mais um pouco, pois teremos eleições pela frente. Se queremos fazer de 22 um ano melhor, vamos começar não brigando entre nós mesmos?

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Luciano Braga

devaneios pessoais e crônicas da vida moderna. palestrante e autor dos livros #PoderDoTempoLivre #333Páginas e #ESeFosseDiferente? >>> lucianobraga.cc