A ansiedade nossa de cada dia

Luciano Braga
7 min readNov 7, 2017
A vida é um grande festival cheio de atividades interessantes. Guarde essa info.

Escrevo a newsletter desse mês da casa do meu irmão, no Campeche, Florianópolis, Santa Catarina. Vim aqui passar uns dias perto da natureza, surfar, ir ao Social Good Brasil (que foi lindo, por sinal), dar uma palestra na UFSC, trabalhar à distância e tirar férias.

Início da propaganda gratuita para o meu irmão.

Meu irmão tá aqui do lado e pediu pra eu divulgar a escola de surf personalizada e a marca de conserto de pranchas que ele tem. Personal Surf School e Ressurrection, respectivamente. Então se você mora em Floripa ou arredores, e quer aprender a surfar ou consertar uma prancha, ele é seu contato.

Fim da propaganda gratuita para o meu irmão.

Tirar férias é um problema pra mim. Isso porque não consigo desligar do trabalho. Não por falta de confiança na equipe ou outra coisa, mas sim porque eu gosto de fazer o que faço e porque adoro as pessoas que trabalham comigo. Estar longe deles e do trabalho dá saudade (amo vocês ❤ shooters).

Enfim, rola uma ansiedade estar longe. De leve. Sadia. Nada que não me deixe aproveitar as férias. Apenas um sentimento que está ali e que consigo entender. E é sobre ansiedade que eu queria conversar hoje. Tenho estado imerso nesse tema nos últimos dias tamanha a curiosidade que fiquei com relação a ele depois de uma conversa informal com 4 amigos.

Estava eu e mais 4 amigos esses dias conversando. O assunto chegou em ansiedade e acabei descobrindo que das 5 pessoas na roda, eu era a única que nunca tinha tido uma crise de ansiedade. E nem nada remotamente parecido com tudo que eles relataram já terem vivido. Aquilo me intrigou. Fiz mil perguntas pra eles pra tentar entender melhor o que era uma crise de ansiedade, estava chocado por ser o único a nunca ter tido.

Aí começou minha pesquisa. Saí perguntando pra mais gente nos dias seguintes e descobri, assustadoramente, que das 10 pessoas que perguntei, só eu e mais uma não havia tido crise de ansiedade. No fim acabei perguntando pra umas 20 pessoas e umas 13 ou 14 tiveram.

Que galera. Achei muita coisa. Tem algo errado. Fui estudar. Conversei com essas pessoas e resgatei conteúdos que já havia entrado em contato anteriormente para chegar a algumas conclusões. Algumas podem parecer óbvias e vocês já saberem, igual achei relevante escrever aqui tudo. Não só para aterrar o que vim pensando no último mês, mas também para ajudar alguém que sofra de ansiedade e pode achar aqui alguma luz. E vou fazer tudo isso fazendo uma analogia entre vida e um evento/festival.

1. A vida é um grande evento cheio de atividades ao mesmo tempo
Nossas mães e pais tinham pouquíssimas opções. Advocacia, medicina, administração e mais umas 5 profissões e deu. Brilha numa dessas. Um que outro fez algo diferente, a maioria seguiu um caminho bem padrão. Eles trabalharam muito pra nos dar uma vida muito mais confortável, criaram um mundo mais abundante e hoje temos muitas e muitas opções. E quando podemos fazer QUALQUER coisa, escolher uma é foda demais!

Sabe aqueles eventos que tem muitas atividades acontecendo ao mesmo tempo? Não é dificílimo escolher uma atividade e LIDAR com ela até o final? Eu fico muito atucanado. “Será que é essa atividade mesmo?”, “Será que a outra está melhor?”, “Será que saio dessa e tento pegar o final da outra pra talvez aprender algo diferente?”. Sempre que vou em eventos assim fico ansioso durante ele. A vida é isso. Temos muitas opções. Ser youtuber ou engenheiro? Fazer o que gosto ou o que dá dinheiro? Qual a profissão certa? Que caminho escolho?

E não estou falando só de possibilidades profissionais. Passar o tempo de ócio também é cada vez mais difícil. Que série ver no Netflix? Qual desses convites no facebook vou aceitar? Qual desses 25 artigos salvos nos meus favoritos ler? Que jogo jogar?

Essa abundância de possibilidades certamente está gerando ansiedade na nossa geração.

2. As redes sociais só mostram pessoas que escolheram as atividades certas
Abundância de possibilidades essa que somada à gourmetização da vida criada pelas redes sociais é igual à ansiedade generalizada. Seguimos pessoas que praticamente só postam coisas boas da sua vida. Quando foi a última vez que você fez algo IRADO e não postou em alguma rede? É muito raro fazer algo irado e não postar. Me incluo nessa. Tudo aquilo que é fora da curva, vai para a timeline, para o stories.

Daí o afegão médio, que está sozinho em casa esperando a tele-entrega que só pediu porque conseguiu um cupom de desconto de um evento que foi e porque lavar toda a louça seria muita função, vai checar sua timeline e é SURRADO com: uma pessoa fazendo yoga numa praia linda, um outro que fez um festival de surf mega preza e outra pessoa viajando pela Estônia (abri o Insta aqui agora e essas foram 3 das primeiras 4 fotos que vi).

“Já vou deixa só eu mostrar como a minha vida é massa.”

Como o afegão médio não vai ficar ansioso achando que fez escolhas erradas?
Tem alguém visitando a Estônia e ele tá jantando sozinho.

O problema aqui não é as pessoas estarem fazendo algo irado, que façam! Coisa boa! O problema aqui é como as pessoas que consomem essas fotos se sentem sobre si mesmas (tá certa essa frase? kkk).

E nem precisa viajar pra Estônia para despertar ansiedade. Só de ver amigos curtindo um bar já ficamos repensando se devíamos ficar em casa. Insegurança somada à surra de pessoas “que fizeram escolhas certas”, gera ansiedade.

3. A gente não sabe para o que exatamente o evento vai servir
Nós somos péssimos em fazer planos de longo prazo. Péssimos em olhar para o futuro. A vida em sociedade é muito muito recente e nosso cérebro ainda é praticamente o mesmo de quando caçávamos e morávamos em cavernas. Naquela época, tudo que fazíamos gerava uma recompensa imediata. Dava um barulho sinistro na floresta? Corríamos até ficar em segurança. Deu fome? Comíamos. Choveu? Corre pra um abrigo.

Já hoje a parada é diferente. Vivemos constantemente situações de recompensas de longo prazo. Não vemos a recompensa de muita coisa que a gente faz: guardar dinheiro, fazer exercícios, planejar um projeto.

Desenhado fica mais fácil de entender.

Ter recompensas imediatas, alivia a ansiedade. Não ter respostas na hora, nos faz ter dúvidas, nos faz questionar, nos faz sermos ansiosos com o presente e com o futuro. Isso, quando somado com o fato de que, ao nosso ver, escolhemos as atividades erradas do evento, gera ainda mais ansiedade.

4. Estamos no evento, mas também estamos em outros lugares
Ninguém de nós coloca o celular no modo avião quando chega num evento. Não. Permanecemos ali, online. Podemos olhar menos o whatsapp em alguns momentos, mas, na prática, estamos disponíveis para todo mundo. O TEMPO TODO.

A partir do momento que estamos disponíveis para todo mundo, o tempo todo, não estar disponível causa apreensão. O wifi não funciona, o sinal cai, a bateria acaba. “Meu deus, o que vão pensar se eu não responder?”, “Será que vai chegar uma mensagem importante?”, “Vão pensar que eu morri!”. Ansiedade, ansiedade, ansiedade.

Não estou fazendo aqui um manifesto contra eventos, o que quis trazer com esse texto é uma análise rápida do contexto que nos cerca. Com certeza tem mais coisa influenciando a ansiedade da nossa geração e cada um desses pontos que trouxe podem ser melhores explorados.

Enfim, eventos, assim como a vida, são irados, mas tem seus altos e baixos, tem as coisas ruins e boas. Cabe a nós saber lidar com tudo isso.

Entender que cada pessoa é diferente da outra e faz o seu próprio evento escolhendo as atividades que mais fazem sentido pra ela, nos ajuda a não tentar comparar nossas escolhas. Entender que nós somos aqueles que escolhemos as atividades certas por causa da nossa curadoria de postagens nos ajuda a ter empatia com nós mesmos. Entender que ninguém tem como saber como relacionar as coisas do presente no futuro, nos faz aceitar melhor o momento que vivemos. Entender que não precisamos estar sempre disponíveis e ninguém vai morrer por causa disso nos faz ter mais tranquilidade de ficar longe do celular.

O que achou? Nada a ver? Se identificou? Você já teve crise de ansiedade? Quer falar sobre isso? De novo, eu nunca tive crise e me acho uma pessoa pouco ansiosa. Já tive momentos ansiosos, obviamente, mas eles nunca chegaram a me paralisar. Me interessei pelo assunto por ver que ele atinge muita gente, e gente que gosto, e queria de alguma formar ajudar. E a forma que encontrei foi observar e registrar o que observei.

Espero ter ajudado. Se quiser trocar uma ideia, se tiver sugestões de como fazer essa análise fazer mais sentido, manda um alô e vamo que vamo :)

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Luciano Braga

devaneios pessoais e crônicas da vida moderna. palestrante e autor dos livros #PoderDoTempoLivre #333Páginas e #ESeFosseDiferente? >>> lucianobraga.cc